5 Razões pelas quais o Século XXI te angustia (e uma luz no fim do túnel)
Eu comecei a trabalhar com 16 anos e, desde sempre, estive envolvido em meio à tecnologia e à internet. Muita gente não sabe, mas minha formação é técnica e antes de dedicar a minha vida a cuidar dos Orixás eu passei alguns bons anos atrás de um computador, desenvolvendo softwares e sistemas. Nesse período, eu tive o prazer de assistir a evolução da tecnologia e das comunicações - em especial a internet. E foi há pouco mais de oito anos atrás, quando a abrangência e a popularidade das redes sociais ainda engatinhavam no Brasil, que eu recebi um texto de uma amiga argentina com a tradução de um artigo assinado por David Wong.
O artigo se chavama "7 Razões pelas quais o Século XXI te angustia", escrito por FULANO DE TAL (sim, o texto original trazia sete razões). Eu guardei ele na minha caixa de e-mails e havia esquecido de sua existência. Essa semana, quando completei 31 anos de idade, curiosamente eu reencontrei o e-mail que ela enviou há tanto tempo atrás... E quer saber o mais curioso de tudo? As razões do artigo, tão antigo, continuam atuais e parecem ter sido escritas há apenas alguns dias atrás.
Quer uma prova? O texto começa contando a história de uma pesquisa dezenvolvida por cientistas americanos chamado de "o teste da foto nua" (não!, não são nudes rsrsrs), que é algo mais ou menos assim: pegue uma foto sua, nú em pêlo, fazendo algo que envergonharia a você e à sua família por gerações. Agora, pergunte a si mesmo: a quantas pessoas você mostraria essa foto? É sério! Se você é como a maioria de nós, provavelmente não responderá mais que dois nomes de amigos que poderiam ver esse quadro tão engraçado.
Mais triste que isso, alguns estudos ainda apontavam que 1 entre 4 pessoas não mostrariam a ninguém - por não confiar em ninguém a esse ponto! Parece irônico, mas nos últimos 20 anos nossas formas de conexão e comunicação cresceram de forma exponencial e temos dezenas de milhares de contatos e seguidores nos perfis das redes sociais.
Eu traduzi e resumi os aspectos mais importantes do texto original. Olha só:
1 - Não temos suficientes pessoas irritantes em nossas vidas
Parece brincadeira, mas não é. A irritabilidade é algo que desenvolve em nós o senso se tolerência, como o álcool ou um mau cheiro. Quanto menos pessoas irritantes ou incômodas temos no nosso dia-a-dia, menos tolerência desenvolvemos.
O problema é que desenvolvemos uma incrível rede tecnológica desenhada exatamente para evitar os incômodos. As compras online, os serviços de TV e cinema via streaming, a hiperconexão através de smartphones, as músicas sob demanda (e os fones de ouvido sempre à tira colo) nos isolam do mundo mesmo quando estamos ao redor de centenas de pessoas. Enquanto isso pode soar como vantagem, seu desfecho é inevitável: o isolamento social nos assombra diariamente.
Tampouco, não temos conhecidos incômodos, porém necessários. Muitos de nós crescemos em bairros repletos de vizinhos insuportáveis ou de colegas de escola que preferíamos manter distância, afinal nenhum deles tinha qualquer interesse em comum conosco - e muitos, ainda, nos forçavam a viver ameaças de bulling.
Porém, você cresceu e continua aqui (e eu espero que, até agora, esteja bem!). E, com isso, você tem a capacidade e o discernimento para buscar as companhias que lhe interessam, que tenham interesses em comum com você - seja um filme, um livro ou um videogame. Você se tornou plenamente capaz de afastar o tédio e as pessoas indesejadas do seu redor, afastando também o doloroso processo de ser obrigado a lidar com pessoas diferentes de você.
A questão é que lidar pacificamente com pessoas incompatíveis a você é essencial para conviver em sociedade. Aliás, se pensarmos bem, lidar diariamente com pessoas que não suportamos é, justamente, o que nos torna uma sociedade! Quantos de nós, atualmente, tem nos seus vizinhos um amigo-conhecido que, ainda que não possua nenhum interesse em comum e que muitas vezes nos irrite, pode ser considerado "de confiança" - seja para cuidar dos seus filhos se você precisar se ausentar ou "dar uma olhada" na sua casa enquanto você viaja?
Ao fim e ao cabo, o ponto-chave é que o ser humano é um animal social. E essa habilidade em suportar o incômodo, de tolerar o irritante, é literalmente a principal habilidade que te permite viver em um mundo populado por mais pessoas além de você mesmo! Caso contrário, ao evitar a chateação do outro-diferente, você acaba desenvolvendo um sintoma ainda pior que aquele que ele lhe causa: a intolerância a qualquer coisa que saia do seu plano de paz em um mundo de fantasias!
2 - Nossa comunicação se resume a mensagens de texto e emojis
A base de nossa convivência com as pessoas está na comunicação. Mais que isso, já é cinetificamente comprovado que 7% da nossa comunicação se baseia em palavras ditas - a chamada "comunicação verbal" - e 93% se baseia na forma como nos colocamos durante a comunicação (como nos vestimos, nosso tom de voz, expressões faciais e corporais, etc). Essa é a chamada "comunicação não-verbal".
A questão é que, ao resumirmos nossas conversas a mensagens de texto, sms, whatsapp, chamadas telefônicas e etc, estamos "matando" praticamente toda a nossa capacidade de comunicar aquilo que queremos da maneira que realmente desejamos. Quantos de nós, ao ler uma mensagem no whastapp, muitas vezes não entende o sentido que nosso amigo quis dar a uma frase, ou confunde o tom de voz e interpreta uma simples pergunta como uma provocação ou ironia?
Nos últimos anos, então, reduzimos ainda mais nossa comunicação, respondendo com sorrisos, palmas, corações, caretas... E o que elas querem dizer, exatamente? Melhor ainda: o que você quis dizer foi entendido da forma correta? E, sinceramente, você leu a mensagem que recebeu do início ao fim - ou simplesmente respondeu com um sorriso e passou para a próxima?
Além disso, toda essa nova forma (falha) de comunicação gera ainda um efeito secundário: como não temos as referências da comunicação não-verbal de nosso interlocutor, recebemos a mensagem e a interpretamos com base em nosso humor e estado de espírito - naturalmente acelerado e irritadiço, confundindo ainda mais o objetivo daquilo que deveríamos ter compreendido originalmente.
Na urgência de responder a todas as mensagens, grupos, fóruns, perdemos mais da metade daquilo que queriam nos dizer e, como justificativa, contamos a nós mesmos a mentira de que fizemos isso pois tínhamos mais dezenas de mensagens e amigos esperando. E aí é que está o problema: mais uma vez, cercados de companhias online ficamos cada vez mais solitários.
3 - Não recebemos críticas suficientes (e está tudo bem, assim)
O que mais nos prejudica pela falta de amigos próximos e pelo cotidiano solitário não são os aniversários perdidos ou as festas que deixamos de ir. Não! O que realmente prejudica é a falta de críticas sinceras e verdadeiras!
Em tempos de internet 24 horas, estamos acostumados a ouvir críticas e reclamações, afinal hates gonna hate. E isso já não nos afeta de forma alguma, afinal de contas a imensa maioria desses comentários vem de pessoas que não nos conhece em absoluto. Além disso, por trás de uma avalancha de insultos, poucas são aquelas que podemos, realmente, considerar críticas - e são elas, as críticas, que nos ajudam a corrigir nossos defeitos, nos apontando em alto e bom som onde, porque e com quem erramos.
Ninguém gosta nem merece ser insultado. Entretanto, todos nós - absolutamente todos! - precisamos de críticas. E, com o isolamento social que o Século XXI traz como natural, muitos nunca as recebem e por isso pensam que tudo o que fazem está correto e que vem levando a vida da melhor maneira. Esquecem - ou ignoram - que a honestidade brutal, os ataques amigos do tipo "que porcaria é essa que você tá fazendo?!", ainda que dolorosas, são a força motriz que nos transforma em pessoas melhores.
4 - Somos vítimas (e atores) do escândalo
Muitos dos que chegram até esse ponto do texto devem estar se perguntando "mas então, a tecnologia está acabando com o mundo?" e até mesmo afirmando para si "é claro que me isolo! Tantas notícias de fome, miséria, tragédias, violência... eu não quero assistir a isso!". Mas... Será mesmo que o mundo é tão trágico quanto nos parece? Será mesmo que a realidade que vivemos é tão pior em relação à realidade que nossos pais ou avós viveram em seu tempo?
A verdadeira resposta? NÃO! Pense comigo: há 50 ou 100 anos atrás a perspectiva de vida era muito menor, os remédios e os avanços da medicina também, os benefícios da comunicação e da tecnologia (que são muitos, diga-se de passagem!) ainda não eram conhecidos e havia tanta guerra pelo mundo afora quanto existe hoje em dia. Estamos física, material e cientificamente muito mais avançados em todos os aspectos mensuráveis possíveis!
Por que, então, temos tanta dificuldade em perceber o bom e o belo ao nosso redor, ao passo que as notícias tristes tomam conta do nosso dia-a-dia?
A resposta é simples: tragédias e escândalos viralizam, tornam-se novidade boca-a-boca com a velocidade de um piscar de olhos e atraem muito mais cliques e likes do que qualquer outra coisa! Os sites de notícias, os blogs e, acredite!, você e seus amigos vivem numa busca incessante por curtidas, visitas e seguidores em seus perfis nas redes sociais. E não é divulgando felicidade ou vitórias que esse número aumenta - infelizmente!
Com o aumento e a diversificação dos meios de comunicação e entretenimento, vivemos um período de guerra de audiência - e na guerra, cada um usa as armas que possui. Não fazem muitos anos, em meados de 1980-1990, tínhamos apenas alguns poucos canais de televisão e TV à cabo era artigo de luxo. De certa forma, essa "escassez" tornava-se um ponto unificador, pois compartilhávamos as mesmas fontes de informação e notícias - mesmo que essas fontes fossem duvidosas, que seu ponto de vista não nos agradasse ou concordássemos com eles, ainda assim, compartilhávamos algo em comum.
Vinte anos depois, isso não existe mais. Não existem mais mídias de massa como conhecemos no passado. Se antes discordávamos porque assistíamos às mesmas notícias e pensávamos diferentes, agora discordamos porque ficamos a par de versões da história absolutamente diferentes - sobre o mesmo assunto e, na disputa por likes, entramos no jogo de publicar e compartilhar primeiro, de defender pontos de vista que nem são nossos, unicamente para nos sentirmos queridos e validados por um grupo ao qual, muitas vezes, nem conhecemos ao vivo.
Com isso, acabamos vivendo diferenças irreconciliáveis por discussões infundadas. Sentimo-nos em constante vigilância e disputa, sem ponto de fuga exceto a angústia sufocante de buscar aprovação. Isso, ironicamente, nos leva ao fato de que...
5 - Nos sentimos menos valorizados (porque, de fato, nos fazemos valer menos)
Há, pelo menos, uma vantagem em manter a maioria dos amigos no mundo virtual: eles exigem menos de você! É claro que você dedica seu tempo a eles, a responder suas mensagens, a consolá-los via batepapo quando há uma briga com o namorado ou namorada e até mesmo em momentos de crise existencial (e todos nós passamos por elas).
Porém, conhecer e conviver com alguém no mundo real exige muito mais que isso. É preciso tempo e vontade disponíveis para consertar seu computador, ou acompanhá-lo a um enterro ou reunião de família. É preciso disposição para recebê-lo em casa numa visita surpresa quando tudo o que você gostaria é passar a noite assistindo seriados ou em dar-lhes carona quando o carro estragou. Pelo Whatsapp, Skype e Facebook o controle da atenção que você dá e do tempo que você dedica a eles é muito, muito maior.
Entretanto - e mais uma vez -, a questão é que somos animais sociais, programados para suprir as necessidades das pessoas com quem nos relacionamos e ter as nossas necessidades supridas por elas. Há milhares de anos essa é uma das verdades da vida, mas parece que de repente, de vinte anos para cá, esquecemos disso.
Não buscamos mais atender o outro porque, simplesmente, ele pode confiar em nós. Descobrimos fraquezas e nos dispomos a ajudar, mas imediatamente esperamos - mesmo que não declaradamente - o reconhecimento por nosso esforço e nosso valor, desejosos por sermos reconhecidos e queridos. Saímos do mundo offline e, ainda assim, continuamos a busca incessante por curtidores e seguidores no mundo real.
Uma luz no fim do túnel...
Há alguns dias o programa Fantástico, da TV Globo, exibiu uma matéria sobre jovens que cortam a si mesmos como espae emocional. E sabe porque eles fazem isso? Pois a dor libera endorfina, o hormônio do bem estar. Enquanto a dor do corte substitiu a dor da angústia de viver isolados mesmo em meio a multidões, o processo de cicatrização movimenta a química de sues organismos, fazendo com que sintam o prazer que, de outra maneira, não conseguem obter.
É triste, é dolorido, mas ao menos É REAL!
Ainda que tudo pareça perdido, há uma luz no fim desse túnel de equívocos sociais e isolamento por comodidade. E essa luz não vem da tela dos computador nem do alerta de nova mensagem no seu smartphone, mas da janela da sua casa, do outro lado da rua! Esfregue os olhos, lave o rosto e você será capaz de perceber que SIM!, ainda existe vida lá fora - e você pode e merece fazer parte dela!
Não é nenhum grande mistério: nascemos e somos criados para viver em sociedade e a arte de conviver se expande na medida em que é praticada! Cumprimente um vizinho, dê um abraço na primeira pessoa que lhe passar à frente no dia de hoje e sinta os seus hormônios se excitarem, se movimentarem por todo o corpo gerando uma sensação estranha sabe de quê? De bem estar!
Deixe de lado por um momento os aparatos tecnológicos que te rodeiam e vá para a rua. Compre um presente para alguém que você não gosta (e entregue esse presente a ela!). Mande um cartão de felicitações a um ex-amigo. Prepare o jantar para seus pais ou o café-da-manhã para os colegas de trabalho. Em resumo: faça algo REAL, mesmo que simples! Algo que você e as pessoas ao seu redor possam tocar!
Esse tipo de satisfação física, essa sensação verdadeira de olhar para algo concreto e simples e poder dizer "eu fiz isso", "eu plantei isso", "eu construi isso", acredite!, não pode ser comparada a nada que a internet possa lhe oferecer. E o melhor de tudo: ela se multiplica, influenciando as pessoas ao seu redor e criando uma corrente de gentilezas que podem transformar o mundo - o seu e o das pessoas ao seu redor.
Quer ver como? Assista esse vídeo lindo da Life Vest Inside, chamado "Kindness Boomerang":